Os últimos meses, atípicos em relação às condições meteorológicas, devem afetar as safras de diversos cultivos, além de dificultar as projeções para a agricultura em 2024 em todo o Brasil.
O ano agrícola brasileiro tem seu início em setembro, no fim do inverno e começo da primavera. Esse período engloba o início do cultivo até a colheita e comercialização da atividade de maior renda bruta.
Para produtores de culturas diversas o ano agrícola encontra-se em função de sua cultura principal, ou seja, a que tem maior representatividade econômica, já os que produzem culturas perenes deve estabelecer o seu início logo após a colheita.
De acordo com Marcelo Rezende, o ano agrícola em Arcos, 2021/2022 registrou um total de 1.553 milímetros de chuva.
Já o ano agrícola 2022/2023, teve um aumento de 165 milímetros, totalizando 1.718 milímetros de chuva.
E o ínicio do ano agrícola 2023/2024, já começou com bastante chuva, sendo registrado de setembro até o final de outubro, 259 milímetros de chuva, em Arcos.
Mudanças Climáticas
A meteorologista Desireé Brandt, da Nottus, explica que, além das anormalidades no curto prazo, as mudanças climáticas em nível global também têm afetado o regime de chuvas no Brasil, o que prejudica os trabalhos agrícolas.
“Nós temos um El Niño, e por conta das mudanças climáticas, os efeitos dele podem ser ainda mais fortes, ainda mais evidentes”, afirma.
O El Niño é um padrão climático que se origina no Oceano Pacífico ao longo da Linha do Equador e afeta o clima em todo o mundo.
A água quente normalmente está confinada no Pacífico ocidental pelos ventos que sopram de leste a oeste, em direção a Indonésia e a Austrália.
No entanto, durante o El Niño, os ventos diminuem e podem até inverter a direção, permitindo que a água mais quente se espalhe para o leste, chegando até a América do Sul.
A formação do El Niño costuma aumentar as temperaturas e provocar estiagem em partes das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Já no outro extremo, em algumas partes do Sul, o fenômeno causa excesso de chuva — e, neste ano, a atuação do El Niño coincidiu com a chegada da primavera, que já costuma ser uma época de temporais na região.
“E justamente agora, ao longo desta estação, o El Niño vai atingir o seu ápice, então a gente sente ainda mais os efeitos dele”, explica Desireé.
Impacto negativo na agricultura
Esta semana, está previsto o término do vazio sanitário no Rio Grande do Sul — período em que é proibido cultivar plantas vivas.
Quando o período se encerra, os agricultores costumam dar início ao plantio de grãos.
“Mas quem é que vai plantar soja agora, no meio do caos que o Rio Grande do Sul está? Existem muitas áreas de cultura de inverno que foram afetadas pelas chuvas das últimas semanas, principalmente. Tem muita lavoura debaixo d’água”, destaca Desireé.
A meteorologista explica que o processo de recuperação das lavouras de inverno acaba prejudicando o início do plantio da soja.
“Algumas áreas do noroeste do Rio Grande do Sul até vão conseguir começar esse plantio, mas as que foram mais prejudicadas pelo excesso de chuva ainda terão uma certa dificuldade”, avalia.
Primavera terá muita chuva no Sul
Ao longo da primavera, a expectativa é de muita chuva no Rio Grande do Sul, o que é comum para esta época do ano.
No entanto, os efeitos do El Niño devem piorar este cenário e provocar chuva acima da média para o período no estado.
“Sim, já choveu muito; sim, o Rio Grande do Sul está debaixo d’água, e sim, ainda tem muita água para cair, e muitas vezes na forma de tempestades, com ventania, com descargas elétricas e com alto risco para queda de granizo”, alerta a meteorologista.
Desireé explica que, neste momento, o grande desafio do estado gaúcho é enfrentar o excesso de chuva, o que atrapalha o manejo e o preparo do solo, além dos trabalhos em campo de forma geral.
“Além disso, mesmo que a lavoura não esteja debaixo d’água, se temos poucas horas de luminosidade, isso também acaba prejudicando a qualidade dessas lavouras. A planta precisa, sim, de água, mas ela também precisa de temperatura adequada e da quantidade de luz solar ideal para que a lavoura tenha melhor qualidade”, explica.
Já para as regiões Norte e Nordeste, que costumam sofrer com a seca em períodos de El Niño, os modelos de previsão do tempo não indicam seca severa, assim como as que ocorreram nos anos de 2015 e 2016.
Apesar disso, os trabalhos de agricultura também devem ser desafiadores nessas regiões.
Algumas áreas do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) terminam o vazio sanitário neste fim de semana. Porém, na contramão da região Sul, o solo está extremamente seco nessas localidades, o que também dificulta os trabalhos de plantio.
“O início do plantio da safra de verão vai se dar de forma bem escalonada — conforme a chuva vai chegando, vai ocorrendo o plantio, exceto em áreas que têm sistema de irrigação. Agora, onde não tem, o solo está extremamente seco. É uma das áreas com solo mais seco do Brasil neste momento”, diz Desireé.
A meteorologista afirma que a chuva um pouco mais expressiva só deve acontecer — e de forma gradual — a partir da segunda quinzena de outubro.
Já no Sudeste e no Centro-Oeste, a primavera terá cara de verão, com muitos dias de sol pela manhã, calor e chuva à tarde.
“Claro que vez ou outra a gente vai ter dias com maior quantidade de nuvens, até com alguns episódios de chuva, mas já vai ser bem mais raro isso. Na maioria das vezes, a chuva virá na forma de pancada”.
No entanto, Desireé destaca que, para a agricultura, mais importante do que a quantidade de chuva é a qualidade da precipitação nessas regiões.
“O que importa é como que essa chuva vai acontecer. Em algumas localidades, o modelo [de previsão] até indica a chuva acima da média, mas se ela vier na forma de pancada rápida, ou se chover num canto da Fazenda e no outro não, será uma chuva mal distribuída”, explica.
Para a meteorologista, a qualidade da chuva é o grande desafio das duas regiões.
“Vai faltar chuva? Não, não vai faltar. Mas como eu falei: este é o desafio do Sudeste e do Centro-Oeste”, conclui.
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