O presente trabalho tem como objetivo provar que a compra e venda feita de ascendente para descendente, sem consentimento destes, só pode ser anulado pelos herdeiros necessários no prazo decadencial de dois anos, contados da conclusão do negócio jurídico, independentemente de haver ou não prejuízo à legítima, visto a compra e venda ser negócio jurídico entre vivos.
Para tanto, imperioso estudar os herdeiros necessários, que são aquelas pessoas enumeradas taxativamente pelo art. 1845 do Código Civil de 2002 (descendentes, ascendentes e cônjuge) e que têm o condão de garantirem para si 50% dos bens do testador.
Outro ponto relevante a ser entendido diz respeito à legítima, que é formada exatamente pelos 50% dos bens indisponíveis do testador. Ligado à legítima, aspectos relevantes sobre adiantamento de legítima e contrato de compra e venda no CC/02 foram explorados.
Para se entender o instituto da compra e venda, fez-se necessário elaborar um apanhado sobre os elementos constitutivos do contrato de compra e venda entre ascendentes e descendentes.
Verificou-se os elementos da ação de nulidade, prazos no negócio jurídico entre ascendente e descendente, data inicial da contagem do prazo para a ação anulatória e jurisprudências pertinentes.
Por fim, mas não menos importante, relevante entender os institutos da prescrição e decadência no direito civil para sabermos enquadrar o instituto certo no contrato de compra e venda entre ascendente e descendente.
DIREITO SUCESSÓRIO
2.1 Herdeiros necessários
“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge” (BRASIL, 2002).
Somente os herdeiros necessários têm garantido 50% dos bens do de cujus, isto é, o testador somente pode dispor de, no máximo, 50% de seus bens a outras pessoas que não sejam os herdeiros necessários, como elucida o art. 1846 do Código Civil:
“Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima” (BRASIL, 2002).
Assim, “(...) havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade de seu patrimônio. A outra metade deverá obrigatoriamente ser deixada para os herdeiros necessários” (FIUZA, 2004, p.963).
Importante salientar que “(...) os herdeiros necessários receberão obrigatoriamente quinhões iguais”, isto é, a legítima “(...) será dividida igualmente entre os herdeiros necessários” (FIUZA, 2004, p.992).
Contudo, “(...) é permitido ao ascendente deixar quinhões desiguais a seus herdeiros necessários, utilizando-se da metade disponível e desde que não a ultrapasse (a legítima: 50%)” (GONÇALVES, p. 235).
O chamamento à sucessão deve obedecer à ordem das classes trazida pelo art. 1.829 em seus incisos, o que significa que havendo descendentes são excluídos os ascendentes, ou, utilizando-se a máxima, “(...) os mais próximos excluem os mais remotos (...)” (VENOSA, 2008, p. 110).
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais (BRASIL, 2002).
Assim, via de regra, “(...) existindo herdeiros de uma classe, ficam afastados os das classes subsequentes” (VENOSA, 2008, p. 113).
O que temos que entender nesse momento é que aos herdeiros necessários são resguardados 50% dos bens do de cujus e que há uma ordem de classificação para se chamar os herdeiros necessários à sucessão, que é a estipulada pelo art. 1829.
2.2 Herdeiros legítimos
Herdeiros legítimos decorrem de determinação legal e dividem-se em herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e facultativos (colaterais até 4º grau e companheiro).
Assim, companheiro(a) não faz parte dos herdeiros necessários, e sim dos legítimos. Vejamos as consequências desse enquadramento: “Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens” (BRASIL, 2002).
Contudo, já o art. 1790 do mesmo diploma elucida que:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (BRASIL, 2002)
Já legislação ordinária (Lei 8.971/94) traz:
Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.
Portanto, como podemos ver, a questão da sucessão do companheiro é matéria que enseja outra tese de monografia, e que, portanto, não será aqui abordada profundamente.
Nesse momento o que nos cumpre salientar é que o companheiro(a) é um dos herdeiros legítimos e que terá direito aos bens adquiridos onerosamente, de acordo com a ordem trazida pelo art. 1790 do Código Civil.
Já os bens adquiridos gratuitamente (sucessão e doação – art. 1659, I do Código Civil) serão partilhados de acordo com as regras do art. 1829, I do Código Civil.
Em relação aos colaterais, apenas aqueles até o quarto grau são chamados para suceder, sendo que os mais próximos excluem os mais remotos (VENOSA, 2008, p. 146-148).
Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente (BRASIL, 2002).
Portanto, havendo herdeiros necessários, os herdeiros facultativos ficam excluídos.
2.3 Legítima e Sucessão Legítima
“Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima” (BRASIL, 2002).
Legítima é exatamente os 50% indisponíveis dos bens do de cujus.
De acordo com Gonçalves,
A legítima, também denominada reserva, é a porção dos bens deixados pelo ‘de cujus’ que a lei assegura aos herdeiros necessários, que são os descendentes, ascendentes e o cônjuge. A legítima corresponde a 1/4 do patrimônio do casal, ou à metade da meação do testador. De acordo com o artigo 1.847, do Código Civil, ‘calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação’. Assim, o patrimônio líquido deixado pelo ‘de cujus’ será dividido em duas metades: a legítima e a quota disponível.
Já Sucessão Legítima é o instituto que rege a sucessão “(...) quando o sucedendo morre intestado, ou seja, sem deixar testamento” (FIUZA, 2004, p.963). Pode ocorrer em 4 hipóteses:
de cujus morre sem deixar testamento;
o testamento deixado foi anulado ou caducou;
testador deixou parte dos bens sem dispor no testamento;
quando houver herdeiros necessários.
Segundo FIUZA (2004), a sucessão legítima pode ser justificada por três pontos de vista. O primeiro deles, ponto de vista familiar, “(...) assegura a permanência dos bens em seu domínio; Do ponto de vista individual, a ordem de vocação hereditária obedece ao critério de afeição presumida; (...) do ponto de vista social, (...) a ordem de vocação hereditária prevê a devolução dos bens ao Estado (...) quando não houver outros herdeiros possíveis”.
Portanto, legítima e sucessão legítima são institutos distintos e não devem ser confundidos.
2.4 Adiantamento de legítima e Colação
As doações de ascendente a descendente são permitidas, desde que perfaçam o limite de 50% no caso de haver herdeiros necessários. Nesse sentido: “O que se pretende rechaçar (...) é o excesso que afronta a legítima” (VENOSA, 2009, 19).
Para evitar essa afronta à legítima, “a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança” (art. 544 do Código Civil em vigor) e é nula a doação quando esta ultrapassar 50% dos bens disponíveis:
“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento” (BRASIL, 2002).
O nome dado ao procedimento de trazer à partilha o bem anteriormente recebido em vida do de cujus por doação pelo descendente ou cônjuge é colação (VENOSA, 2008, p. 360).
Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.
Contudo, por vontade expressa do doador, pode o bem doado não fazer parte do adiantamento de legítima, conforme elucida o art. 2005 do Código Civil, desde que não ultrapasse os 50% dos bens indisponíveis, isto é, desde que não prejudique a legítima (VENOSA, 2008, p. 360).
Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.
DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
O contrato de compra e venda está dentre os contratos típicos expressos no Código Civil de 2002 - nos artigos 481 a 504 - e pode ser definido da seguinte maneira, como nos ensina Venosa (2009):
“(...) a compra e venda pode ser definida como a troca de uma coisa por dinheiro. (...) inserem-se no grupo dos contratos que objetivam a transferência de um bem de um contratante a outro. (...) Como o objeto do contrato de compra e venda é a transferência de um bem do vendedor ao comprador, mediante pagamento em dinheiro, nosso sistema põe esse negócio jurídico exclusivamente no campo obrigacional.”
Ainda de acordo com Venosa (2009), “(...) o contrato é veículo (...), mas por si só não transfere a propriedade. O domínio transmite-se (...) pela transcrição do título aquisitivo para os imóveis”.
No mesmo sentido da definição trazida por Venosa temos GOLÇALVES (2011, p. 214): “o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de uma coisa à outra (comprador), mediante a contraprestação de certo preço em dinheiro”.
Nesse sentido, estatui o Código Civil atual: “Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.
3.1 Classificação do contrato de compra e venda
Em sua obra, “Contratos em espécie”, Venosa (2009) leciona que “(...) compra é venda é um contrato oneroso, translativo, bilateral ou sinalagmático (de prestações correspectivas) e geralmente comutativo”.
Onerosidade significa que “(...) ambas as partes obtém vantagem econômica” (VENOSA, 2009, 10). O comprador, o direito de receber a coisa. O vendedor, o direito de obter a soma em dinheiro (VENOSA, 2009, 10).
Translativo diz respeito ao “(...) instrumento para a transferência e aquisição da propriedade (VENOSA, 2009, 10).” Por isso diz-se que dono é aquele que registra.
Bilateral quer dizer que “cada parte assume respectivamente obrigações” (VENOSA, 2009, p. 10). GONÇALVES (2011, p. 219), explicando mais detalhadamente essa característica, diz que sinalagmático ou bilateral perfeito é o contrato que “gera obrigações recíprocas: para o comprador a de pagar o preço em dinheiro; para o vendedor, a de transferir o domínio de certa coisa”.
Geralmente comutativo é o fato de as partes, no momento de sua conclusão, conhecerem o conteúdo de sua prestação (VENOSA, 2009, 10). Isto é, comutativo pressupõe o contrato ser bilateral e oneroso. Elucida GONÇALVES (2011, p. 219) “As prestações são certas e as partes podem antever as vantagens e os sacrifícios, que geralmente se equivalem (...)”.
3.2 Elementos constitutivos do contrato de compra e venda
São 3 os elementos que constituem a compra e venda de acordo com Venosa (2009, 12-17):
Res: qualquer coisa que tenha existência real ou potencial no momento do negócio, sobre a qual pode ser colocado um preço e que seja capaz de sair do patrimônio do vendedor para ingressar no do comprador;
Preço: “(...) deve ser em dinheiro, (...), sob pena de não ser conceituado o negócio jurídico como compra e venda. (...) deve ser certo, real ou justo e verdadeiro. (...) Pode (...) o preço ser fixado por terceiro designado pelos contratantes. (...) Válido também o preço traduzido em títulos de crédito (...). (...) O preço deve ser real. No entanto, como regra geral, deve-se entender que o contrato de compra e venda é válido, ainda que lhe falte absoluta correspectividade entre preço e valor” (VENOSA, 2009, 14-16).
“Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa” (BRASIL, 2002).
Consentimento: necessário consentimento expresso dos demais descendentes e também dos descendentes do pré-morto, caso haja. Dessa forma, a “(...) lei afasta qualquer possibilidade de alegação de concordância tácita” (VENOSA, 2009, 23). Esse consentimento expresso, via de regra, não necessita de forma solene. Mas, no caso em estudo, sendo referente a bem imóvel, o consentimento deverá se provar por escrito.
Além do mais, “(...) A compra e venda não se submete, como regra geral, à forma especial. Pode ser ultimada verbalmente ou por escrito, público ou particular. (...) como regra, a compra e venda imobiliária sujeitar-se-á à escritura pública” (VENOSA, 2009, 17).
GONÇALVEZ (2011, p. 219) compartilha do mesmo entendimento de Venosa, elencando como elementos integrantes do contrato de compra e venda: a coisa, o preço e o consentimento (res, pretium et consensus).
COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE
4.1 Previsão legal
“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória” (BRASIL, 2002).
De acordo com Venosa, “Não há necessidade de autorização do cônjuge do descendente, pois não se alarga a restrição legal” (2009, 24).
No mesmo sentido se posiciona GOLÇALVES (2011, 237):
“Aduza-se que o cônjuge do descendente não precisa consentir. Não se pode estender exigência legal a situações não expressamente previstas. Ademais, o descendente nada está alienando, mas apenas praticando um ato pessoal, anuindo a venda”.
A questão que se traz nesse momento é a seguinte: e se um dos 9 descendentes não assinar por discordância infundada? Infundada no sentido de que se a compra e venda seguiu todos os requisitos legais (preço justo, coisa determinada, consentimento de 8 mais dos ascendentes e registro no Cartório de imóveis), além de não trazer prejuízo para a legítima, o que poderia ser alegado como escusa para a não concordância? É aí que nasce a “(...) possibilidade de suprimento judicial do consentimento (...) quando a recusa do agente é injusta, prejudicial às partes ou motivada por mero egoísmo e emulação” (VENOSA, 2009, 24).
Nesse sentido, Silvio Rodrigues (1983:156): “Se o suprimento judicial corrige o arbítrio de uma recusa injusta, deve ser admitido, pois o interesse social da circulação da riqueza prevalece sobre o individual do descendente recusante (...)”.
“Desse modo, deve ser admitido o suprimento judicial do consentimento quando a recusa dos descendentes (ou do cônjuge) for imotivada, provada a seriedade do negócio e idoneidade das partes (RT 520/259, 607/166)” – VENOSA (2009)
Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.
Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.
Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava.
Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.
Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.
4.2 Ação de nulidade
“Os legitimados para arguir a anulabilidade de venda são os demais descendentes e o cônjuge do vendedor. Embora não mencionado expressamente, o companheiro, por equiparação ao cônjuge, também goza de legitimidade, (...)” (GOLÇALVES, 239).
A ação de anulação, como leciona LÔBO (2003, p. 89), “é relativa ao contrato de compra e venda, que é ato entre vivos e produz efeitos imediatamente após sua conclusão”. Portanto, “Quando houver ‘obrigatoriedade de registro público, este será considerado, em virtude de sua presunção de publicidade” (GONÇALVES, 239). Além do mais, por ser prazo decadencial (logo, não sujeito a suspensão ou interrupção),
“(...) se a decadência se consumar em virtude do ingresso em juízo do interessado após o prazo de dois anos contado da data do conhecimento da conclusão do contrato, deve o juiz reconhecê-la de ofício (...)” (GONÇALVEZ, 239).
Não obstante o STF ter editado a Súmula 494 em 1969, revogando a Súmula 152, com o advento do Código Civil de 2002 não há que se falar em aplicar o conteúdo daquela, vez ser este último norma posterior e especial. Logo, estamos diante de revogação tácita de uma Súmula por uma Lei especial.
“Súmula 494 do STF: É de vinte anos o prazo prescricional para deflagração da ação anulatória de venda de imóvel realizada entre ascendente e descendente, sem consentimento dos demais herdeiros, contados da data do ato, forte na Súmula n. 494 do STF”.
Portanto, concluímos que a ação de anulabilidade do contrato de compra e venda de imóvel entre ascendente e descendente pode ser proposta por qualquer dos descendentes ou pelo cônjuge/companheiro, a partir da conclusão do ato, isto é, do registro público.
PRAZOS NO NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE
Importante nesse momento analisarmos o prazo para pleitear a anulação do negócio jurídico realizado de ascendente a descendente, bem como definirmos se se trata de prazo prescricional ou decadencial, visto as inúmeras consequências jurídicas entre uma e outra.
Outro ponto a ser analisado é a partir de quando começa a contagem do prazo: da venda ou da morte?
5.1 Prescrição e decadência
5.1.1 Conceito de prescrição
O conceito clássico de Câmara Leal, referenciado por LORENZETTI (1999:18), LORA (2001:18), DINIZ (2004:360), define prescrição como a “extinção de uma ação ajuizável em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”.
Pontes de Miranda, citado por Maria Helena DINIZ (2004:358), pontifica que a prescrição é “uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão”.
Já Caio Mário (1997, 435), a prescrição é o modo pelo qual se extingue um direito (não apenas a ação) pela inércia do titular durante certo lapso de tempo.
De acordo com o art.189 do Código Civil de 2002, o direito material violado dá origem à pretensão, que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, extinguindo também e indiretamente a ação: “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Prazos prescricionais são todos aqueles trazidos pelos artigos 205 e 206 do Código Civil atual.
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor (BRASIL, 2002).
Art. 206. Prescreve:
§ 1o Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3o Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5o Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo (BRASIL, 2002).
A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita, conforme dispõe o art. 193 do Código Civil de 2002. Porém, se não alegar de imediato, ao réu não caberá honorários advocatícios em seu favor, art. 22 do Código de Processo Civil.
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita (BRASIL, 2002).
Art. 22. O réu que, por não argüir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, dilatar o julgamento da lide, será condenado nas custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor na causa, o direito a haver do vencido honorários advocatícios (BRASIL, 2002).
A prescrição é também uma exceção, que se submete aos mesmos prazos daquela. Se não for o caso de renúncia à prescrição, caberá ao magistrado “(...) sentenciar sobre o mérito da causa” (MARINONI, 2010, p.224).
“Art. 269. Haverá resolução de mérito:
IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição” (BRASIL, 2002).
Pode-se dizer que estão sujeitas à prescrição todas as ações condenatórias, e somente elas.
No mais, importante lembrar que prescrição sofre interrupção e suspensão, nos casos previstos no Código Civil:
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (BRASIL, 2002).
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra (BRASIL, 2002).
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção (BRASIL, 2002).
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper (BRASIL, 2002).
Logo, concluímos que prescrição é a perda da pretensão pela inércia do titular do direito; decorre de lei; pode ser renunciada pela(s) parte(s); está sujeita a interrupção e suspensão; deve ser alegada pela parte na primeira oportunidade, sob pena de perda dos honorários; possui rol taxativo elencado pelos artigos 205 e 206 do Código Civil.
5.1.2. Conceito de decadência
A origem da palavra decadência vem do verbo latino cadere, que significa cair.
“A decadência é a extinção do direito pela inércia do titular, quando a eficácia desse direito estava originalmente subordinada ao exercício dentro de determinado prazo, que se esgotou, sem o respectivo exercício” (site).
São todos os demais prazos, excetuados os dos arts 205 e 206 do CC/02. Em regra, posicionados na Parte Especial do Código. Contudo, a parte geral do Código Civil trás a regra geral de decadência:
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade (BRASIL, 2002).
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (BRASIL, 2002).
Pode-se dizer que estão sujeitos à decadência os direitos constitutivos e desconstitutivos.
Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei (BRASIL, 2002).
Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação (BRASIL, 2002).
Logo, conclui-se que decadência são todos os demais prazos não previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil; pode ser decorrente de lei ou de vontade entre as partes; quando decorrente de lei, pode ser declarado de ofício pelo juiz; não se sujeita a interrupção ou suspensão.
5.2 Diferenças entre prescrição e decadência
Para que diferenciar prescrição e decadência? Para sabermos qual dos institutos se aplica em cada caso concreto.
A prescrição pode se interromper uma única vez (arts 202-204 do Código Civil de 2002) ou se suspender, nos casos que a lei prevê. A decadência não se interrompe nem se suspende[1].
A segunda diferença é que, em regra, a prescrição só pode ser alegada por quem tenha interesse em que seja decretada, isto é, somente os que dela se beneficiarem poderão alegá-la. Já a decadência pode ser alegada por qualquer pessoa que participe do processo, inclusive pelo próprio juiz, ex officio, ou seja, independentemente de qualquer manifestação das partes. Somente quando tratar-se de decadência convencional é que o juiz não pode suprir a ausência de alegação.
A terceira e última diferença diz respeito à renúncia: a prescrição é passível de renúncia e a decadência é irrenunciável.
5.3 Prazo decadencial para a propositura da ação anulatória de compra e venda entre ascendente e descendente
Estatui o artigo 496 do Código Civil de 2002:
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória (BRASIL, 2002).
Logo, por dizer ser anulável a compra e venda entre ascendente e descendente, sem estabelecer prazo para a anulação, aplica-se que o prazo geral para se pleitear a anulação, que é de dois anos, como elucida o art 179 do CC/02:
“Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato” (BRASIL, 2002).
Portanto pontos importantes do presente estudo já foram definidos: a compra e venda entre ascendente e descendente é negócio jurídico anulável, conforme art. 496 do Código Civil de 2002; sujeito à decadência, por não estar no rol dos artigos 205 e 206 do mesmo diploma legal; e o prazo para se pleitear a anulação é de dois anos, visto que o art. 496 não traz outro prazo específico; por ser prazo decadencial legal, deve ser pronunciado de ofício pelo juiz.
5.4 Data inicial da contagem do prazo para anulação do negócio jurídico
De acordo com LÔBO (2003, p. 89), a anulação diz respeito ao contrato de compra e venda - ato entre vivos - produzindo efeitos imediatamente após sua conclusão. Dessa forma, quando houver obrigatoriedade de registro público, o prazo deve ser contado da data do registro.
Não há que se questionar ser o termo inicial é a morte do alienante, pois o negócio jurídico ocorreu entre vivos. Nesse sentido:
“Venda de ascendente a descendente. Interesse Processual – existência, mesmo estando vivo o genitor alienante – preliminar rejeitada.” (Tribunal de Justiça de São Paulo: Acórdão n.º 009.931-4/9-00). – “A ação para anular venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais funda-se em direito atual, nada tem com o direito das sucessões, mas com o Direito da Obrigações, podendo, portanto, ser proposta mesmo em vida do ascendente vendedor...” (RT. 585: 177)
No mesmo sentido, "A ação anulatória da venda pode ser proposta, quando ainda vivo o ascendente" (RTJ 52/829).
Logo, podemos concluir que, por se tratar de compra e venda de ascendente para descendente, o prazo para os demais descendentes ou o cônjuge/companheiro pleitear a anulação do negócio jurídico inicia-se a partir do registro do contrato de compra e venda no Cartório competente.
APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAS
AQUISIÇÃO DE BOA-FÉ. ATO ANULÁVEL. PROVA DE VENDA EFETUADA POR VALOR INFERIOR AO DOS BENS. AUSÊNCIA.
I. A venda por ascedente aos filhos depende do consentimento de todos os descendentes, nos termos do art. 1.132 do Código Civil, sendo desinfluente o fato de o reconhecimento e registro daqueles concebidos fora da relação matrimonial, mas em sua constância, ter ocorrido após a alienação dos imóveis, porquanto se a existência de irmãos era desconhecida dos filhos legítimos, o mesmo não acontecia em relação ao genitor, na hipótese.
II. Inobstante farta discussão doutrinária e jurisprudencial, adota-se a corrente que entende cuidar-se de ato anulável, de sorte que o seu desfazimento depende da prova de que a venda se fez por preço inferior ao valor real dos bens, para fins de caracterização da simulação, circunstância sequer aventada no caso dos autos, pelo que é de se ter como hígida a a
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