O Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu um homem acusado de furtar 4 galinhas em setembro de 2019 na cidade de Bambuí. Ele era assistido da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG).
Na época, as aves eram avaliadas em R$ 5. Desde então, o caso teve reviravoltas na Justiça até parar na Suprema Corte do Brasil. As informações foram divulgadas pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), que defendeu o réu.
Em dezembro de 2019, o juízo da Vara Criminal de Bambuí entendeu que “os fatos praticados pelo acusado não configuram a tipicidade material necessária para o reconhecimento do delito” e absolveu o morador por força do princípio da insignificância.”
O Ministério Público recorreu e, em fevereiro de 2022, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou o morador, por entender não ser aplicável o princípio da insignificância. “Verificada a reincidência e os maus antecedentes do réu, bem como o fato de que ele se encontrava em cumprimento de pena quando do cometimento do crime em comento, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância”.
A Defensoria Pública recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STF) e, em junho deste ano, o ministro relator manteve a sentença. Houve recurso especial, mas a 5 ª Turma afirmou que a reincidência e os maus antecedentes afastam a incidência do princípio da insignificância.
A defensoria, então, entrou com habeas corpus na Suprema Corte, pedindo a reforma do acordão para absolver o réu da acusação de furto, uma vez que o fato provocou lesão mínima, o que invalida a tipicidade material.
A ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, reconheceu, em decisão monocrática de 30 de novembro último, a incidência do princípio da insignificância e restabeleceu a sentença do juízo da Vara Criminal de Bambuí.
“As circunstâncias apresentadas, o caráter fragmentário do Direito Penal e, especialmente, a mínima lesividade da conduta praticada pelo agente conduzem ao reconhecimento de ausência de dano criminal efetivo ou potencial ao patrimônio da vítima, ensejando o reconhecimento da atipicidade material da conduta, pela ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal”, afirmou a ministra na decisão.
Na decisão, Cármen Lúcia pontou sobre a reincidência do homem, mas reconheceu a mínima ofensividade da conduta e a ausência de periculosidade social decorrente da ação.
“Não se desconhece a reincidência específica do agente, mas, em relação ao fato delituoso, objeto do presente processo, está evidenciada a inexpressividade jurídica e econômica da conduta para os fins de subsunção do fato aos ditames penais, com os contornos comprovados”, afirmou na decisão a ministra Cármen Lúcia.
Modelo penal de aporofobia social
Esta não foi a primeira vez que a Defensoria Pública de Minas Gerais atuou até as instâncias superiores para conseguir a absolvição de pessoas que fizeram furtos insignificantes, seja para se alimentar ou para conseguir itens básicos de higiene, como em diferentes situações em que foram subtraídos quatro pacotes de fraldas, dois steaks de frango e dois desodorantes.
Em outro caso semelhante recente, a DPMG chegou até o STJ defendendo um assistido também acusado pelo furto de duas galinhas. Empatado na 6ª Turma, o voto decisivo foi proferido no último dia 28 de novembro pelo ministro Teodoro Silva Santos, que reconheceu a insignificância.
A defensora pública Adriana Patrícia Campos Pereira, coordenadora do Núcleo da DPMG de Atuação junto aos Tribunais Superiores, considera que a seletividade do sistema penal acaba atingindo também pessoas que às vezes fazem esses pequenos furtos para sobreviver por conta de alimentação.
“Por que alguém furta duas, quatro galinhas, senão para se alimentar? Uma pessoa que furta dois desodorantes provavelmente está em situação de rua, não tem como tomar um banho. Em sua grande maioria, os tribunais proferem condenações por questões mínimas em crimes ligados à pobreza. Condutas desse tipo contribuem para a criminalização da pobreza e para a aporofobia”, considera Adriana Patrícia Campos Pereira.
Princípio da insignificância
Levantamento realizado pelo Núcleo de Atuação junto aos Tribunais Superiores considerando o período de agosto de 2017, data da instalação do Núcleo, até dezembro de 2022, revela expressiva quantidade de ordens de habeas corpus concedidos, no todo ou em parte, envolvendo a aplicação do princípio da insignificância.
Das 150 ordens concedidas, 69 tiveram como fundamento o princípio da insignificância penal, quase a sua totalidade relacionada a crimes patrimoniais (furto e apropriação indébita).
No entendimento de Adriana e Pereira e do defensor público Flávio Wandeck, que também atua no Núcleo, e que consta no estudo, o dado revela a “disfuncionalidade e seletividade do Direito Penal no país, focado em condutas inexpressivas e que envolvem majoritariamente os necessitados, como furtos de gêneros alimentícios, produtos de limpeza ou outras mercadorias de menor valor, em sua maioria devidamente restituídas a vítima”.
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