Meu pai era filho do vô Capitão. Assim chamávamos ele. Ele que tinha um português corretíssimo e traços indígenas lá do norte de minas, onde nasceu. A mãe de meu pai, Zenith, além do nome curioso, que significa a hora que o sol está mais alto no céu, vó Zezé, é como a chamamos até hoje, está viva e sã. Minha vó teve meu pai com 15 anos, e teve mais dez filhos após dele. Reza a lenda que com as viagens constante de meu avô, meu pai representou a figura masculina entre meus tios, e era um excelente parceiro de minha vó. O avô dele e o pai dele, chegaram a trabalhar como boticários em vilas do passado. Vê -se que a herança de cuidar da saúde, vinha de berço há gerações.

 Meu pai tinha o mesmo nome que meu avô, assim como tem o mesmo nome o meu irmão. É um legado nem sempre grato, mas de muito valor para nós. Já em família meu pai era o conselheiro dos irmãos, aquele para quem todos corriam quando precisavam de ajuda. Sua verve de ajudar o outro era carregada de muito respeito e uma imensa sabedoria em ouvir. Os conselhos eram humanizados e eficientes, revelando uma grande inteligência emocional e uma boa disposição para servir ao bem e ao outro.

Após sua formação na UFMG, meu pai veio para Pains, trabalhar no hospital, e ajudar meu avô que na época adquiriu uma dívida inesperada. Nessa mesma época, minha mãe, escreveu-lhe um ultimato pois não podia mais viver na estrada para vir vê-lo. Na época ela era secretária da Fiat em BH e a estrada todo fim de semana estava acabando com a rotina dela. Meu pai mais que depressa entendeu o recado e foi correndo comprar as alianças para o pedido de núpcias. Eles se casaram numa cerimônia simples e foram começar a vida com suas parcas economias. Minha mãe sempre conta que ele fazia muitos plantões no começo e ela teve que ser muito compreensiva diante da solidão que o trabalho do meu pai impingia a eles.

Pelo que eu me lembro, a vida toda tivemos que aprender a lidar com a “ausência” que o trabalho dele criava aqui. As pacientes dele sempre tinham grande parte de suas atenções, e, pelo que escuto delas até hoje, é que esse esforço valeu muito a pena pois ele realmente ajudava-as a encontrar respostas e soluções afetivas e práticas para o problema que enfrentavam. Meu pai era o tipo de médico que era meio psicólogo dos pacientes. Ele era médico de família, entre suas muitas formações, e exercia com excelência essa parte de sua profissão. A anamnese era a parte mais importante da consulta e ele sabia como acolher e ajudar a encontrar soluções para os desafios das famílias.

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O que eu mais me lembro dele são as lições sobre igualdade e fraternidade que ele nos dava todos os dias. Vivia dizendo que tinha que retornar benefícios à comunidade pois foram eles que pagaram seus estudos na federal. E assim foi, ele sempre acudia aqui e ali, comprava um enxoval, um berço, doações e até cesta básica, ele ajudava as pacientes do SUS.

Meu pai, na adolescência se mudou muito de cidade devido ao ofício de meu avô, mas algumas cidades fizeram morada em seu peito. Ele tinha saudade de São Lourenço e da vida que viveu lá, e também em Soledade de Minas e Bocaiúva. Mas sem sombra de dúvidas Arcos era onde se sentia melhor. Ele sempre dizia que eu e meu irmão podíamos sair pra estudar mas que ele e minha mãe ficariam aqui e nós poderíamos voltar sempre que necessário, pois Arcos seria sempre nosso lar. Esse amor que ele plantou em mim floresce desde sempre e é ele que me fez voltar. Ele admirava plenamente a bondade das pessoas e exaltava a forma como todos aqui são receptivos e solícitos. Sabíamos que não era uma verdade muito grande, mas acho que ele nos ensinou que pensar assim é melhor que ver o lado negativo de cada um, pois isso todos temos e não nos cabe julgar o outro.

Meu pai, amava os amigos daqui, os da peteca, os do Tempero, os da Lagoinha...Ele também amava o lanche do jovem, onde já parou muitas madrugadas e sempre tinha um bom papo para trocar.

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 O que persiste de mais forte é a luz de meu pai em nossos corações. A lenda que ele representa é de uma pessoa boa e que viveu plenamente, que amava ajudar os outros e que acolhia quem precisasse de ajuda.

Suas duas netas, Luna e Cecília, escutam as histórias sobre ele e imaginam um vovô muito divertido.

Cecília, minha filha, tem seu sobrenome e seu signo e com certeza seria o xodó do avô, com quem brincaria e se apaixonaria, assim como foi com a gente. Eu e minha mãe cultivamos em silêncio e com palavras ternas a lembrança de meu pai. E elas sempre trazem alegria. Para Ceci, eu quero que ela sempre conheça e conviva com a lembrança dele, pois é de valor imaterial e inabalável dentro de mim. Era lindo meu pai, por dentro e por fora.

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Ele sonhava em ficar velhinho de cabelos brancos, e dizia que nunca ia se aposentar. Nunca imaginamos que estes sonhos ele não ia realizar. Mas quem diria que ele seria tão presente mesmo após sua ida. Ele adorava música ao vivo, e o que eu faço de mais singelo que me aproxima mais dele é ouvir as músicas que ele gostava ou que me lembram a ele, imagino flores para ele junto com a melodia, o que acalanta meu coração e, assim espero, que ele receba as boas energias onde estiver. Termino esse escrito intimo, dividindo com vocês a poesia que fiz para ele e Ceci, sua neta, em nome do amor enorme que ele deixou e ainda recai sobre todos nós. Obrigada por compartilhar lembranças tão doces comigo.

Do Lado de Cecília

O jardineiro de almas

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Nos ensinou a adubar amores

A cultivar frutos bons

Ensinou a lida diária

Deu ferramentas de trabalho

Incentivou nosso ofício

Jardinou nosso amor aos poucos

Deu chão, deu água

Deu o sumo de seu coração

Falou manso sobre a colheita

E distribuiu

Para todos compartilharem

Que bom que foi assim

O que seria de mim

Sem suas lições dadivosas

Sobre o homem e sua natureza

Sobre nosso lugar no universo

Que era sempre ao lado dele

Protetor, ensinou-nos cuidar

Hoje, do lado de Cecília

Lado a lado com nossas experiências

Ele vive do lado de dentro

Lado, te amamos em sua infinitude

Nosso universo interior se expande

À medida que nos lembramos de você

Voe e paire sempre entre nosso porvir.

Você traz luz

E como nunca, nos conduz

Pra perto e pra sempre.

Te amamos...