Ah, as velhas vendas de antigamente… Quando fecho os olhos, quase consigo sentir o cheiro de café, do açúcar mascavo e do fumo de rolo, tudo misturado naquele ar que parecia contar histórias. Era como se o tempo passasse mais devagar dentro daquele espaço tão simples, mas que, para mim, era quase mágico. O som da balança de ferro, com seus pesos ajustados, ainda ecoa na minha memória, assim como o ranger da porta de madeira que anunciava a chegada de cada freguês.
Lembro-me de entrar pela porta pequena da venda do seu Jorge Calácio, com minha mãe segurando minha mão, enquanto eu olhava maravilhado para as prateleiras lotadas de produtos dos mais variados.
Não havia pressa, não havia o corre-corre dos mercados de hoje. Tudo era à base da confiança.
A gente comprava fiado, anotava na caderneta, e pagava no fim do mês, quando o dinheiro do trabalho duro no campo finalmente chegava. A verdade é que o fio que ligava as pessoas naquela época era mais forte, mais simples, mais sincero.
Os produtos não tinham data de validade, e sabe de uma coisa? Nunca ninguém se preocupava com isso. O arroz era sempre fresco, e o queijo, guardado com carinho, durava o tempo que fosse necessário, amarelando, "apurando o sabor". Ninguém nunca adoeceu por causa disso. Era a vida, pura e simples, como a venda que abastecia nossas casas e nossos corações.
Se sobrava um dinheiro, era pretexto para encomendar um pedaço de carne de porco.
Como não haviam muitas geladeiras, aliás eram quase inexistêntes, a carne era frita e depois cozida lentamente em sua própria gordura e em seguida armazenada em uma lata.
É daí que vem a origem do seu nome "Carne na Lata", onde a carne depois era coberta pela própria gordura quente, retirando assim grande parte da água e umidade do preparo.
A venda era mais do que um lugar para comprar mantimentos. Era onde as conversas aconteciam, onde as noticiam ganham detalhes, onde a gente trocava risadas, lamentava os dias difíceis e celebrava as pequenas vitórias do cotidiano.
Quantas vezes vi meu pai parando para conversar com os amigos sobre as colheitas, as chuvas, ou até mesmo sobre a política da época.
Ah, como sinto saudade daquele tempo, daquela simplicidade! As prateleiras talvez fossem desorganizadas para quem visse de fora, mas, para mim, havia uma ordem quase mágica naquele caos.
Cada produto tinha sua história, sua função, seu propósito. A venda era o coração pulsante da nossa pequena comunidade, e eu daria tudo para poder voltar lá, só mais uma vez, e sentir a paz que aquele lugar me trazia.
Hoje, quando entramos em um supermercado grande e impessoal, os famosos "pegues e pagues do mundo" com suas luzes frias e corredores infinitos, percebo o quanto perdemos. Perdemos o calor das relações humanas, a alegria de comprar de alguém que te conhece pelo nome, e o conforto de saber que tudo o que precisávamos estava ali, ao nosso alcance, sem pressa, sem pressões.
Sim, sou um saudoso das vendas de antigamente.
Sinto falta daquele tempo em que tudo parecia mais verdadeiro, mais próximo, mais nosso.
E é com um aperto no peito que guardo essas lembranças, sabendo que elas fazem parte de quem eu sou, de onde eu vim, e de um tempo que, infelizmente, não volta mais e que meus filhos, seus filhos, nossos filhos, jamais vão ter o prazer de viver.
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